
Antes mesmo de poder explicar a ideia que busca arrecadar fundos para reformar toda a estrutura do circo, Anselmo, 66 anos, é interrompido por uma ligação. “As pessoas são sem noção...”, dispara, ao desligar. “Você acredita que me ligaram para pedir convite para um evento que é solidário?”, diz, estarrecido.
Chamado
Mais do que o desafio de arrecadar R$ 138 mil em 60 dias, a campanha é um “chamado”, explica Anselmo. “A sociedade precisa se apropriar disso. A Picolino não é um bem individual. É, antes de mais nada, o símbolo da resistência da arte e da cultura em Salvador. O desafio maior agora é coletivizar. O resultado da campanha é entregar o Picolino à sociedade para que ele passe, realmente, a pertencer a ela”, defende.
Apesar do lançamento oficial ser amanhã, a campanha já começou no sitewww.kickante.com.br e ganhou repercussão nas redes sociais. A cantora Pitty, 37, por exemplo, postou em seu Twitter: “Fiz aula neste circo, cantei em espetáculo e conheço a luta deles p/ manter o Circo vivo. mto triste a situação, AJUDEM #SomosTodosGuerreiros”.
Outros artistas se sensibilizaram, como João Miguel, 44, que se apresentou no circo durante dois anos com seu palhaço Magal. “O Picolino é muito importante, porque me deu força pra entrar no trabalho autoral, em um momento de transição na minha carreia. Muita gratidão e amadurecimento que levo até hoje”, elogia, por telefone. João acumula trabalhos premiados na tevê e no cinema como O Canto da Sereia (2013), Estômago (2007) e Cinema, Aspirinas e Urubus (2005).
Além deles, merece destaque uma trupe menos conhecida, mas igualmente importante para o circo. É o caso do ex-vendedor ambulante Marcos dos Santos, 35, hoje instrutor do Picolino e um dos fundadores da ONG Arte Consciente que, desde 2003, atua no bairro de Saramandaia com aulas de dança, música, capoeira e circo.
“Nossa história foi toda na rua. Via colegas roubarem porque não tinham oportunidade. Muitos foram presos e mortos”, lembra Marcos, que entrou no Picolino pelo Projeto Axé. “A importância do circo é passar um pouquinho de alegria, segurança e autoestima. É ver o mundo de outra forma”, diz.
Luta
Criado há 29 anos por Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki, o Picolino tem uma história de resistência. Basta lembrar que ele surgiu dentro de outro circo, o extinto Troca de Segredos, e seguiu para um depósito na Biblioteca Central. Depois passou por um Bar Vagão e ocupou por sete anos o espaço onde jaz o Aeroclube.
Após muita luta para manter-se de pé, o Picolino fincou picadeiro em Pituaçu, onde está há 18 anos. Agora, não há perigo de ser despejado, já que ganhou o direto de uso da terra, por usucapião. Atualmente, já existe uma geração de professores formados por ex-alunos do Picolino.
Um dos frutos dessa história é a filha dos dois, Luana Serrat, 32, professora de tecido acrobático. Nome à frente da Cia. Luana Serrat e membro do Fulanas Cia. de Circo, Luana ganhou o Circo do Faustão, em 2008. Este ano, seu trabalho foi reconhecido pelo Prêmio Fundação Bunge, de São Paulo, na categoria juventude.
Poderíamos contar várias outras histórias sobre o Picolino que, em 2007, recebeu da Presidência da República a Ordem do Mérito Cultural em reconhecimento ao conjunto do seu trabalho. Tudo para explicar o que originou a campanha #SomosTodosGuerreiros. Mas o espaço não permite.
Então, paramos por aqui com uma reflexão de Anselmo: “No começo era buscar R$ 140 mil para fazer uma reforma e hoje é muito mais do que isso. Atingir a meta é fundamental para uma transformação, mas o que está em cheque, na verdade, é a discussão sobre a importância do trabalho realizado pela Picolino nos seus quase 30 anos de vida”.
Ex-aluno e professor do Picolino cria escola de circo na Suécia
Nascido e criado na Boca do Rio, “um dos bairros violentos de Salvador”, o acrobata Jailton Carneiro, 38, foi aluno do Circo Picolino durante sete anos e depois virou professor da trupe. O aprendizado o fez chegar ao badalado Cirque du Soleil, com o qual ganhou o mundo e voltou, em 2009, para se apresentar com o espetáculo Quidam.Correo
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